A história de uma categoria de sucesso

Quando falamos em kart com câmbio lembramos imediatamente do Shifter, que hoje, é a categoria rainha do kartismo Mundial.

Mas no passado foi diferente, aqui no Brasil então nem se fala.

Nos anos 60, houve uma tentativa da SILPO em criar uma categoria com câmbio, que acabou não dando certo.

O protótipo desenvolvido por Silvano Pozzi, usava o motor da motocicleta que ele construiu de 175 cc e não sabemos porque foi descontinuado, já que a ideia sempre foi muito boa.

Presume-se que os custos de produção tenham sido analisados e não agradaram aos interessados.

SILPO shifter 1966

Em fins dos anos 70, Lucio Pascual Gascon (Tche) usou um chassi Sulam com um motor de RD 80 cc, testado e aprovado por Ayrton Senna da Silva, mas que também não houve interesse na continuidade do projeto.

Apesar de todos os esforços, o motor era fraco demais.

Na primeira metade dos anos 80 (1984) Pompeo Calicetti volta da Europa cheio de idéias novas. Viu lá os famosos Superkarts de 250 cc em Mônaco enfiarem tempo nos F-1.

Eram karts com câmbio de 6 marchas, motores bicilíndricos específicos e que passavam dos 50 cavalos, andando em Autódromos e atingindo velocidades superiores a 200 Km/h.

A solução era construir um kart neste molde, mas não existia chassi específico no mercado.

Reuniu-se um grupo de amigos do kartismo paranaense e a idéia foi utilizar o chassi do Superkart 250 cc bimotor, categoria esta que fora um sucesso em 1983 mas que em 1984, começava a perder força.

Superkart

A motorização foi retirada da motocicleta Yamaha DT 180 cc e foi construído o primeiro protótipo da categoria.

O chassi foi aproveitado de um bimotor que havia no Paraná, já que a categoria aqui acabou não pegando devido aos custos exorbitantes e somente poucas unidades deste modelo existiam no Estado.

Testes foram feitos na antiga pista de Vila Velha e o kart foi aprovado.

Jornal Vila Velha

Testes em Vila Velha

Surge ainda em 1984, a APFK-180 (Associação de Pilotos Fórmula Kart -180), com Pompeo Calicetti sendo presidente, Paulo Marques vice e Edson Enricone o consultor da área técnica, para desenvolver os karts e um regulamento.

Com estatuto aprovado e regulamentação definida, precisavam de um local onde realizar as provas:
Andar em Kartódromo era complicado então, um acordo de uso do estacionamento do Shopping Carrefour Pinhais foi concluído e a pista montada com pequenos blocos de cimento.

Surgia então, a categoria que iria revolucionar o kartismo paranaense e futuramente, seria a coqueluche nacional.

Com a categoria pronta e oficializada, foi realizado o primeiro Campeonato Paranaense de F-180 em 1984.

A categoria contou naquele ano com mais de 15 karts, tendo grids ótimos para uma empreitada totalmente paranaense.

O primeiro Campeão Paranaense da categoria foi Flavio Trindade, que futuramente seria piloto da Categoria Stockcar.

Para o ano de 1985, continua sendo usado o estacionamento do Carrefour Pinhais e tendo algumas provas foram feitas em Kartódromos, sendo um Campeonato disputadíssimo até a última etapa, quando dois pilotos chegaram a final com pontuação similar.

Neste ano, foram usadas as pistas de Irati e Rio Negro como oficiais deste Campeonato, mas a maioria das provas deu-se no Carrefour Pinhais. Também aconteceram duas provas festivas no litoral paranaense (praias), com destaque ao público que passava facilmente de 15 mil espectadores devido a alta temporada.

Neste ano, o Campeão foi José Zattar Jr, tendo como vice Marco A. Pauli.

Já para o Campeonato de longa duração que foi realizado com três corridas de duas horas, os Campeões foram Pompeo Caliceti/Flavio Trindade, tendo como vice os pilotos Luis Guilherme Nickel/José Cordova.

Para o ano de 1986, o estacionamento do Carrefour não poderia ser mais usado.

A única opção, era voltar ao Kartódromo de São José dos Pinhais, reformando a pista e incluindo uma nova configuração (traçado com reta) para que os F180 pudessem andar lá.

Também ficou resolvido a mudança (não obrigatória) do visual dos F-180, com uma carenagem fechada e com design mais bonito, inserido ainda em início de 1986.

O kartódromo recebeu a categoria por duas vezes com o antigo traçado, sendo realizada sua terceira prova com o traçado modernizado, ligando a entrada do miolo à curva de alta (Gari) e em seguida, a reta principal.

No ano de 1986, houve também a prova “Circuito do Centro Cívico”, realizada nas ruas Cândido de Abreu e Comendador Fontana, onde os Fórmula chegavam a mais de 160 Km/h, mostrando o potencial que teriam para andar em pistas longas, o que foi futuramente explorado em Autódromos.

Vale lembrar que uma prova de rua em Londrina também foi realizada.

Neste ano, a categoria começa a andar por várias cidades do interior e começa a despertar interesse em todos os cantos do Paraná.

O Campeão Paranaense de 1986 foi Marco A. Pauli, tendo como vice Pompeo Caliceti.

Vale lembrar que neste meio tempo, os paranaenses estavam desenvolvendo algo diferente, o Fórmula 200, isso ainda em 1986.

O primeiro Fórmula 200 nasceu no Paraná, baseado num motor Agrale de 30 cavalos e um chassi Romadap.

Mas como aconteceu? Foi mais ou menos assim:

Para a modernização da F180 (Superkart x Yamaha), pensou-se em criar algo melhor, com chassi próprio e com motor mais potente e resistente, diminuindo as adaptações.

No mercado e com cilindrada limitada a 200cc, somente se encontravam motocicletas da Yamaha e agora, da “novata” Agrale.

No Rio Grande do Sul, fabricavam-se os chassi Romadap, que haviam feito muito sucesso nos karts de 125 cc, tendo inclusive Rubens Barrichello como piloto neste período.

A ideia então, foi unir o chassi Roma com motor Agrale, formando um conjunto de identidade própria.

A missão foi entregue a meu pai, Danilo Julio Afornali, que recebeu um chassi Roma feito exclusivamente para este kart e um motor Agrale 30 cavalos, zero km… O chassi tinha a motorização do lado inverso ao normal, sendo desenvolvido propriamente para tal.

Todos os suportes foram feitos em sua oficina, nos fundos de casa: Suporte de motor, radiador, tanque (lateral), reforços, tudo.

Lembro-me bem que era um chassi mais curto, diferente dos usados no F180. Era branco e não tinha ainda carenagem.

As rodas também não se abriam mais ao meio, eram carretel e tinham um design diferente, moderno e muito mais bonito que as velhas Panzer.

Com todos os suportes desenvolvidos e com o motor acoplado, meu pai desenvolveu o escapamento para o F200, que foi testado na fábrica da Agrale em dinamômetro e preservado como original da categoria até os anos 90 devido ao excelente desempenho.

Com o kart pronto era necessário um teste, do qual participei como expectador.

Nada mais, nada menos que o Campeão Brasileiro de Kart de 1984, José Cordova, estava lá para testar o monoposto.

Após algumas voltas, ele parou, acertou a calibragem e voltou a pista, baixando em muito o tempo dos F180.

Outro a testar o kart foi o piloto de Motocross Paraguaio, que adorou a experiência.

Com o kart testado e aprovado, nascia ali então a categoria que mudaria o automobilismo de base por quase 15 anos, a Fórmula 200!

Fórmula 200

Em 1987, uma equipe destacou-se de tal forma que o campeonato foi interrompido muito antes do tempo:
Carlos Ehlke, patrocínio Sal Diana/Colnaghi, contando ainda com a preparação de motores e karts de Danilo Afornali.

Carlos Ehlke

De início o Paranaense estava programado para 12 provas neste ano, mas foram realizadas 8 devido ao efeito “Carlinhos”.

Nas 8 realizadas, Carlos obteve 7 vitórias, marcou todas as poles e virou todas as melhores voltas, tendo como pior resultado um segundo lugar para Tony Garcia (Consórcio Garibaldi/Scuderia Afornali).

Carlos Ehlke foi o Campeão Paranaense de 1987, tendo o maior domínio de um campeonato já visto em todos os anos da categoria no Paraná.

Já no Campeonato de longa duração, os Campeões daquele ano foram Carlos Ehlke/José Zattar Júnior pela equipe Sal Diana/Colnaghi/Scuderia Afornali.

Ainda em 1987, com o encerramento precoce do Campeonato Paranaense de F180, criou-se o Torneio Francisco Cunha Pereira, onde Tony Garcia (Consórcio Garibaldi/Scuderia Afornali) ganhou as provas finais, sagrando-se Campeão.

Para 1988, a maioria das provas foram realizadas no Kartódromo de São José dos Pinhais. O Campeão Paranaense de 1988 foi Tony Garcia (Consórcio Garibaldi/Scuderia Afornali), que como um entusiasta das corridas, tinha na equipe seu irmão Nenê Garcia e Marcio Libretti.

Neste ano, também houve o lançamento da Fórmula 200 no Clube Morgenau de Curitiba.

Era o kart que mencionei na história anterior, equipado com motor Agrale de 30 cavalos mas, com a evolução dos chassi MINI (Lavrale) que eram revendidos no Rio Grande do Sul.

Infelizmente, poucos carros foram vendidos aqui no Paraná. Naquele mesmo ano, assistindo ao Fantástico num Domingo, meu pai viu uma largada de karts (pelo menos 40 deles) em São Paulo, numa pista de rua.

Era a categoria criada e difundida aqui no Paraná, que criava asas no Brasil todo!

MINI (Lavrale)

MINI (Lavrale)

Em 1989, um ano ruim para a categoria, com poucos karts no grid e muitas dificuldades. Algumas corridas tiveram grid pouco melhor, mas a maioria sempre difícil, com karts minguados, maltratados, enfim…

Fechando o ano citado, como Campeão Paranaense, Tony Garcia (Consórcio Garibaldi/Scuderia Afornali).

Para o campeonato de 1990 a categoria volta a ter adeptos e inicia uma nova florada gerando bons pilotos, sendo um deles Marcello Fernandes, um jovem recém saído da categoria de 125 cc.

Naqueles anos de 1990 e 1991, Marcello Fernandes ou “Brasilzinho” como era conhecido, ganharia dois títulos de Campeão Paranaense de Kart Fórmula 200, 1990/1991, contando com o patrocínio da empresa madeireira de seu pai e da mecânica desenvolvida por Danilo Afornali (Scuderia Afornali).

Scuderia Afornali

Nos anos de 1992 e 1993, não foram realizados campeonatos. A categoria esteve dormente, não houve muito interesse em pista ou similar. Uma ou outra corrida foi realizada, não passou disto.

Com a reforma do Autódromo de Curitiba (1993), se iniciam alguns testes dos karts na pista e então a possibilidade do uso da mesma para provas.

O ano de 1994 teve grids cheios, chegando a ter 44 karts numa prova no Autódromo de Londrina.

O Campeão Sul-Brasileiro da categoria foi Dalton Martinez Silva, tendo como vice-campeão Nilton Pereira (Iromeq/Scuderia Afornali). Neste mesmo ano, várias provas na rua foram feitas, levando novamente a categoria ao sucesso de público e de participantes.

Em 1995 outro sucesso, várias provas na rua, grid com no mínimo 25 karts e em Londrina (Autódromo) novamente, com a participação de goianos e paulistas junto aos paranaenses com mais de 50 karts no grid.

Novamente o campeonato daquele ano (Sul-Brasileiro), ficou nas mãos do excepcional Dalton Silva, tendo como vice Robson Ferraz (Coscarque/Scuderia Afornali).

O último Campeonato oficial da categoria deu-se em 1996, foi o canto do cisne para os karts de câmbio daquele período.

Devido a decisão unânime da diretoria da APKF-200, todas as provas daquele ano seriam realizadas em Kartódromos ou Autódromos e assim foi feito.

Cinco etapas foram realizadas, sendo delas, três no Autódromo de Londrina e duas no Autódromo de Curitiba, tendo ainda uma prova festiva no Kartódromo de São José dos Pinhais, como abertura do Campeonato.

O Campeão Paranaense de 1996 foi Marcelo Eduardo Afornali (Scuderia Afornali), tendo como vice Luiz Peret Antunes (Momento Engenharia).

Marcelo Afornali

Depois deste ano, nada mais foi realizado oficialmente, apenas provas esporádicas e reuniões sem cunho oficial.

A categoria perdeu força e os carros em sua maioria foram sucateados.

Finda-se assim uma bela história: A categoria que nasceu pequena e tomou conta do Brasil, a Fórmula 200.

Colaborou nesse texto Pompeo Caliceti.